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Saudação ao novo reitorado - discurso do ex-reitor João Carlos Salles

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João Carlos Salles

Caminhar é interromper quedas sucessivas. Essa descrição clássica é bela por ser literal, mas não exclui uma leitura de outra ordem. Com efeito, durante oito anos, não houve um minuto sequer de trégua. Austeridade, restrições orçamentárias, o golpe do impeachment, conduções coercitivas de reitores e, no atual governo, ataques diretos à vida universitária e à ciência, pandemônio, rudeza, falta de compostura, pandemia, cortes... Não obstante tudo isso, fomos UFBA em movimento e seguimos, juntos e misturados. Sofremos ameaças, corremos riscos, tivemos danos, mas nunca paramos. Sempre demos os passos necessários e vivemos, por nossa UFBA, na mais intensa alegria.

Já pude me despedir com muitas palavras, em cerimônia intensa e singular. Aliás, talvez não tenham inventado antes cerimônias de encerramento por duas razões. Primeiro, porque alguma melancolia costuma abater qualquer gestão em seus últimos dias. É mais que natural. Nossa gestão, porém, precisou ir além do natural nesses tempos sombrios. Assim, sem sossego, mas poupados de toda melancolia, quisemos encerrar do modo que começamos. Segundo, porque temos vivido neste desgoverno uma grave incerteza quanto à nomeação de reitores. Por isso, o risco sobrenatural de termos a vontade da comunidade contrariada obrigou-nos a muitos cuidados – e, todos sabem, nós os tivemos múltiplos, sendo então parte desse cuidado nossa decisão por uma pressão derradeira, da qual fez parte sim a cerimônia de encerramento, inclusive com a presença de reitores das federais de todo país, em um expressivo pleno da ANDIFES. Nesse cenário sobrenatural, a cerimônia foi um gesto a mais e, todavia, bastante natural – foi mais um passo típico de nossa gestão, que nunca se furtou à luta nem à invenção, nunca aceitou ser cúmplice de qualquer absurdo.

Reitor Paulo Miguez, realizamos juntos, em oito anos, uma gestão necessária – é minha convicção. Tivemos e temos decerto problemas imensos. A Universidade pública brasileira, afinal, amarga hoje os efeitos de um ataque sem igual. Porém, em meio a tamanha adversidade, conseguimos preservar e proteger um padrão elevado de qualidade acadêmica, com a garantia de nossas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Nossa gestão tampouco se furtou ao embate político, à defesa intransigente da universidade pública e de seus valores. E com a mobilização e a unidade de nossa comunidade, procuramos proteger a aura da universidade pública por meio dos valores de uma excelência acadêmica ligada na essência ao compromisso social da instituição.

Intensa nossa alegria. A UFBA fez sete Congressos; abrigou o Fórum Social Mundial, a Bienal de Cultura da UNE. Realizou encontros, seminários, atos acadêmicos e atos políticos. Mais ainda, aprofundou ações afirmativas, inclusive em concursos docentes, criou novas unidades, inaugurou prédios. A avaliação de cursos foi acompanhada com todo zelo na graduação e na pós-graduação; e programas ousados foram implementados, como o edital de professores visitantes e o CAPES PrInt. E, ainda, diante do desafio da grave emergência sanitária em nosso país, soubemos dizer sim à vida, sem hesitação; soubemos afirmar os valores da educação e combater a barbárie; soubemos resistir, em suma, a todas as formas de obscurantismo e autoritarismo.

Também soubemos reagir, é preciso dizer, a todas as investidas, públicas ou de bastidores, contra nossos valores ou nosso patrimônio. Desse modo, a UFBA teve papel destacado na luta contra o Future-se e outras investidas contrárias a valores inegociáveis. Nosso caminho foi (e sei que sempre será!) o da afirmação de um projeto de longa duração, da defesa deste lugar de ciência, cultura e arte, sem qualquer rendição a quem deseje agredir nossa autonomia. Afinal, a comunidade UFBA nos garante indicadores acadêmicos positivos, de modo que, além de centro do universo, sabemos todos muito bem, a UFBA é uma das mais importantes universidades de nosso país e realiza com altivez seu destino como instituição pública, gratuita, inclusiva e de qualidade.

Andar é recuperar quedas sucessivas, e nunca deixamos de caminhar. Nunca deixamos de resistir, tendo por horizonte uma sociedade não mais desigual, uma sociedade capaz de superar sua chaga de exclusão e autoritarismo, sendo profunda e radicalmente democrática. Dessa matéria e dessa energia, Miguez e Penildon, brotou sua gestão. Esse é o legado de cuja construção coletiva vocês fizeram parte, sendo, pois, ainda mais responsáveis por guardar esses valores, com os quais a UFBA continuará sua caminhada e decerto vencerá.

Já me despedi. Coração tranquilo, sei que as muitas palavras ditas não cairão no vazio. E, neste momento e lugar, não me cabe falar mais nem muito. Cabe-me agora tão somente (i) compartilhar com todos a alegria de ser UFBA, (ii) apoiar a caminhada segura de nosso Reitor Paulo César Miguez de Oliveira e, enfim, (iii) expressar confiança plena no seu reitorado, que já caminha com a firmeza e a suavidade dos corpos sutis, aqueles capazes de penetrar o denso.

Viva a Universidade Federal da Bahia!