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A incorporação do riso à educação: sim, por que não?

Transformando a sala de aula em anfiteatro
 
Grécia Antiga, um anfiteatro lotado assistindo a uma comédia – o riso pairava no ar e prenchia o ambiente. E se esse anfiteatro fosse uma sala de aula contemporânea? Como seriam as escolas e, principalmente, como seriam os alunos caso o riso fosse incorporado à educação? É exatamente essa pergunta que Mary Arapiraca propõe responder em seu livro “Riso e educação: prólogo de uma paideia”. Publicado este ano pela Edufba, a autora discute como o riso pode se inserir na educação e o seu papel na formação do pensamento crítico.
 
O caminho para a percepção da sua tese começou na adolescência de Mary. A autora tinha a assinatura da revista O Cruzeiro e lia a história do “Amigo da Onça”, que a alfabetizou politicamente. “Percebi que o riso tinha o papel fundamental de fazer esse cruzamento entre o que é e o que poderia ser, o ideal. A realidade é sempre uma crítica”, comenta a professora da Faculdade de Educação. Décadas depois, já formada e com doutorado pela UFBA, Mary foi convidada para dar a disciplina Currículo juntamente com a professora Teresinha Froes, da Faculdade de Pedagogia.
 
“Eu quis experimentar trabalhar com o riso no currículo e dei um nome fantasia para matéria: ‘Currículo: uma possível festa dos loucos’, em alusão a festa dos loucos da Idade Média. Foi muito rica essa experiência pois escutávamos as pessoas relatando fatos hilários de sua vida e a escola nunca estava incluída. Eles contavam fatos que não estavam necessariamente ligados ao colégio, aconteciam no recreio ou era algo mais clandestino”, explica.
 
Mary começou a perceber que educação e riso eram dois elementos que nunca estavam entrelaçados. Continuou a ofertar a matéria nos semestres seguintes e converteu todos seus alunos para  a paideia do riso. Muitos aplicaram as atividades feitas pela professora em seus estágios, o que acabou rendendo textos incorporados por Mary ao seu livro. Em 2015, apresentou uma tese para o concurso de professor titular e resolveu faze sobre o riso, por causa do seu trabalho com a matéria. A defesa foi um sucesso, os professores da banca sugeriram a publicação e o livro foi lançado este ano.
 
A autora utilizou dois autores para sua base teórica: Henri Bergson  e seu “Ensaio sobre a significação da comicidade” e Mikhail Bakhtin e seu livro “A cultura popular na idade média e no renascimento”. Bergson trata da função social do riso, o “trote social”, que procura verificar os elementos que estão fora da origem e, a partir disso, fazer comicidade, para incomodar quem comete esses desvios e trazê-los para a ordem.
 
Utilizando elementos desses dois autores, Mary concluiu que o riso é educativo do ponto de vista ontológico. Ele faz a população tomar mais conhecimento das coisas que estão como não deveriam ser, de forma crítica e menos linear. “O riso chama a atenção para esses desvios e conscientiza, então ele é educativo nesse sentido. Se trabalhamos com isso desde cedo a criança e o adolescente passam a avaliar o seu entorno, a escola, trabalho, cidade. Ele passa a ter uma perspectiva de como a sua realidade deveria ser”, explica.
 
A autora também apresenta um novo conceito: a dislogia, “a rainha da fabricação do riso”. Na dislogia, o desfecho é algo inesperado, a conclusão não tem a ver com a proposição. Ela levou essa ideia para a turma e os alunos criaram exemplos de dislogias, como “o cão é o melhor amigo. Meu cão se chama Plutão, logo todo cão é um planeta”.
 
“O riso é elaborado, é cognitivo, há um espaço de criação e o sorriso representa uma emoção, algo espontânea e são duas coisas imprescindíveis na nossa vida. O riso é o resultado do bom humor, a escola como um ambiente propício e não hostil. A escola é um ambiente que instiga a pensar um outro mundo”. Mary propõe, ao final do livro, em uma carta para Ariano Suassuna, a paideia, a educação ideal, do riso, com as arlequinas e os saltimbancos indo para a escola e para o cotidiano do aluno, transformando a sala de aula em um verdadeiro anfiteatro.