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Conferência do filósofo francês Pierre Dardot defende o comum enquanto princípio político

Conferência fez parte da programação do Congresso UFBA

 

“A lógica do comum se opõe diretamente à lógica do sistema do Estado”, afirmou Pierre Dardot, filósofo da Universidade Paris-Ouest Nanterre-La Défense e pesquisador do pensamento de Marx e Hegel, Pierre Dardot, durante a conferência “O comum ou a democracia contra a soberania nacional”, no Congresso de Pesquisa, Ensino e Extensão da UFBA, na última terça-feira, 17, no salão nobre da reitoria.

O princípio do comum, explicou Dardot, superaria a ideia de propriedade privada ou estatal, com o objetivo de disponibilizar os meios materiais e imateriais fundamentais às atividades coletivas. Ele seria, nas palavras do autor, pautado pelo autogoverno, livre da dominação estatal e econômica, em especial do modelo neoliberal.

Dardot destacou o próprio conceito de soberania, que “está longe de ser uma exclusividade ocidental”. Os innus, um povo do nordeste do Quebec, Canadá, já tinham um conceito próprio de soberania antes das colonizações, algo que poderia ser traduzido pela palavra “responsabilidade”. A centralidade desses povos, afirmou, seria pautada na preservação da vida em todas as suas formas.

“A relação com o território não seria de posse absoluta e exclusiva. Ela implica um esforço coletivo de tornar esse espaço seguro”, destacou.  E contrapôs, “a soberania ocidental, ao contrário, rejeita essa obrigação”. Dessa forma, assegurou o pesquisador, as duas lógicas seriam incompatíveis.

Jorge Nóvoa e Gabriel PontesO comum seria pautado na lógica de autogoverno, ou seja, seu ordenamento seria “plural e não central”, uma “estrutura que demanda uma democracia radical”. Em oposição, a lógica do soberano estatal é marcada pela centralidade, pois “pressupõe uma fonte única de poder”, observou.

A soberania do comum implica uma responsabilidade e obrigação, “um princípio de colaboração”.  Dessa forma, destacou Dardot, o comum seria um princípio político, cuja implantação exigiria a formação de uma nova sociedade, não somente alternativa ao neoliberalismo, mas, sobretudo, revolucionária.

A partir de uma condição histórica, ele falou sobre a teoria da lei natural que, no século XVII, conferiu legitimidade à sociedade, com cada indivíduo sendo naturalmente soberano sobre si próprio. Já o Estado teria se formado a partir de uma espécie de contrato no qual o sujeito transfere a soberania natural para o Estado. “Como resultado disso, o Estado adquire poder sobre cada um de nós”, refletiu.

O filósofo também falou sobre a luta dos povos autóctones - setores pouco dominantes da sociedade que mantiveram uma continuidade histórica à parte do percurso de seus colonizadores - pela preservação dos padrões culturais, instituições e sistemas jurídicos. Entre 1970 e 1980, a Declaração dos Direitos dos Povos Autóctones reconhecia a soberania desses povos, beneficiando 400 milhões de pessoas em cerca de 50 Estados. “Integrantes desses povos participaram da elaboração do documento”, algo inovador já que, “as Nações Unidas só admitiam o Estado para deliberações”.

A luta pelo reconhecimento desses povos fez com que uma guerra fosse travada em outro terreno, o da palavra. “Falar povos e não povo. O acréscimo de uma pequena letra desempenhou um papel decisivo. No singular, parece tratar apenas de uma população; no plural, reconhece as tradições, estatutos e atores desses povos não hegemônicos”, afirmou.

Em 2007, foi assinado o relatório final da ONU que tratava sobre a soberania em estado permanente dos povos autóctones sobre seus recursos naturais. Contudo, Dardot deu exemplos contemporâneos que ferem tais princípios e ameaça diferentes povos.

Ele citou a tentativa do atual governo brasileiro de, por meio de decreto, extinguir a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) na Amazônia. Num contexto internacional, dessa vez por meio do governo Trump, falou da ameaça à tribo Sioux, através da construção do oleoduto de 3,8 bilhões de dólares da empresa texana Energy Transfer Partners, que entrou em funcionamento em 1º de junho deste ano, nos Estados Unidos. Em outro exemplo perturbador de violência do Estado contra os povos autóctones, fez referência à expulsão do Povo Shuar Arutam, da província de Morona Santiago, Equador, de suas terras em dezembro de 2016, sob ordens do governo equatoriano.

No final da conferência, Pierre Dardot fez autografou o livro “Comum. Ensaio sobre a revolução no século XXI” da Boitempo Editorial, obra que fez com seu parceiro de pesquisa Christian Laval, professor de sociologia da Universidade Paris-Ouest Nanterre-La Défense.

O assessor especial da reitoria para assuntos culturais e coordenador do Congresso da UFBA, Paulo Costa Lima, e o professor Jorge Nóvoa da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA estiveram ao lado de Dardot durante a conferência. Em francês, a conferência foi traduzida pelo intérprete Gabriel Lopes Pontes. O concerto Camará Ensemble fez a abertura do evento.

A conferência integrou também o ciclo de conferência “Comum, pensar conjuntamente um projeto de emancipação para o século XXI”. Na última sexta-feira, 13 de outubro, o ciclo teve a participação de Christian Laval e abordou “a instituição do Comum: refundar os serviços públicos e a democracia social”, no pavilhão de aulas Glauber Rocha (PAF III), campus Ondina.

Quem não pôde assistir à exposição de Dardot, poderá conferir o filósofo mais uma vez na UFBA, nesta quinta-feira, 19 de outubro, às 18h, na Faculdade de Direito da UFBA. O tema será direito do Comum e a emancipação do trabalho.

O Grupo de Pesquisa Crise da Modernidade Neoliberal e a Revista O Olho da História da UFBA, junto ao Boitempo Editorial, coordenam o ciclo de conferências com Pierre Dardot e Christian Laval na Bahia.

Confira a íntegra da conferência de Pierre Dardot no Congresso UFBA.