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Contra a Cobrança de Mensalidades nas Universidades Federais - Nota da Reitoria da Universidade Federal da Bahia

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O sistema federal de educação superior é patrimônio do povo brasileiro. É o resultado de décadas de investimento material do Estado e, sobretudo, do trabalho e da luta de gerações de educadores, técnicos e estudantes dedicados à construção de uma universidade pública, gratuita, autônoma, inclusiva e de qualidade; uma universidade que fundamenta sua autonomia em sua capacidade de formar cidadãos qualificados, de forjar mérito acadêmico em todas as áreas do conhecimento, produzindo ciência, cultura e arte. Só podemos assim receber com espanto e indignação a notícia da tramitação no Congresso Nacional de projeto de emenda constitucional que visa à introdução de cobrança de mensalidades pelas universidades federais brasileiras.

Diante de tão grave ameaça, a Reitoria da UFBA vê-se instada a reafirmar que a cobrança de mensalidades é deletéria à Universidade Pública, seja por seu potencial de criar e acirrar desigualdades entre áreas e cursos, comprometendo a natureza da universidade, seja por dividir a comunidade estudantil em cidadãos e clientes, seja enfim por se tratar de medida sabidamente ineficaz para o enfrentamento do problema que se arvora a resolver, a saber, o déficit de financiamento da educação superior federal nos últimos anos.

A defesa da cobrança de mensalidades costuma ser justificada, por ignorância ou má fé, por meio de argumentos falazes e que denotam desconhecimento tanto da matriz orçamentária, quanto dos propósitos da universidade. Assim, costumam supor, por exemplo, que as vagas discentes das universidades federais são ocupadas por estudantes de camadas elitizadas da sociedade, que, portanto, estariam em condições de custear os próprios estudos. Tal argumentação é equivocada, pois generaliza, por um lado, a condição socioeconômica de uma pequena e cada vez mais reduzida parcela dos estudantes das universidades federais; enquanto, por outro lado, desconhece a significativa transformação por que passou a Universidade Pública brasileira com a implementação de políticas de ações afirmativas, de sorte que a ampla maioria do alunado das universidades federais é hoje formada por estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Outra afirmação infundada é a de que seria então adequado cobrar mensalidade daqueles estudantes que tenham efetivamente condições de pagar. Aparentemente justa, essa medida, além de não solucionar problemas de financiamento de universidades mundo afora, teria o condão nefasto de acirrar a desigualdade já existente entre cursos socialmente mais prestigiados (e, logo, mais ocupados por estudantes em melhor condição socioeconômica) e aqueles cursos menos prestigiados, que, apesar de sua incontestável relevância acadêmica, seriam cada vez mais relegados. Dessa desigualdade fundamental decorreriam outras, a implicarem o subfinanciamento público dos cursos e das áreas de ensino, pesquisa e extensão menos atrativos ao investimento privado.

Costuma-se ainda afirmar que o gasto por aluno do ensino superior público federal é inflado em comparação ao de instituições privadas, representando ônus indevido aos cofres públicos. Entre os muitos equívocos que essa afirmação encerra, cabe destacar o cálculo superficial e apressado, que, de propósito, desconsidera o fato de que as universidades federais não realizam apenas ensino, mas também e de forma indissociável pesquisa e extensão. A produção de conhecimento de qualidade, praticada sobretudo em universidades plenas, implica assim grande investimento em infraestrutura de pesquisa, mas também em projetos de longa duração, entre os quais não é de se desprezar o fortalecimento de carreiras acadêmicas sólidas, capazes de desenhar um horizonte de independência intelectual para nossa nação. Desse modo, pesquisadores sérios têm mostrado que um cálculo mais acurado e adequado à realidade da Universidade Pública resulta em um custo por aluno da ordem de R$ 1.150,00, a valores de 2015 – bastante equivalente ao valor mensal cobrado por instituições privadas que, todavia, por muitas razões, não costumam oferecer qualidade compatível com a das universidades federais.

Amparada, portanto, em uma soma de equívocos e incompreensões, a introdução da cobrança de mensalidades nas universidades federais é, em última instância, uma medida irrefletida e inepta, significando tanto ignorância da natureza da universidade quanto descompromisso com a produção de conhecimento. É medida, assim, obscurantista e eivada ademais daquele antigo oportunismo de quantos, com imenso dano para uma educação superior universal, diversa e de qualidade, querem desobrigar o Estado de seu compromisso com o financiamento público da educação.

 

 

Salvador, 24 de maio de 2022