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Debate sobre cultura e crise dá início ao XIII Enecult

Muniz Sodré (Foto: Daniel Figliuolo)

 “O que a cultura faz é cultivar o sentido no terreno misterioso do mundo, ela promove uma busca de identificação de nós mesmos num real que é inesgotável, portanto, nos dá a perspectiva que um grupo humano tem de si mesmo”, afirmou Muniz Sodré durante sua conferência de abertura no XIII Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Enecult), nesta segunda-feira, 12 de setembro, no salão nobre da Reitoria (íntegra da sessão no canal da TVUFBA no YouTube).

Professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e referência nos estudos em comunicação e cultura no Brasil e na América Latina, Sodré abordou o tema “cultura como crise” e buscou na etimologia das palavras a revisão conceitual de algumas questões contemporâneas. Ele explicou a origem da palavra “cultura”, proveniente do latim culturae, cujo sentido era restrito a idéia de cultivo da terra. Posteriormente, seu significado foi ampliado metaforicamente para cultivo do espírito. Já “crise” vem do grego krisis, e, na literalidade etimonológica, tem a ver com o processo analítico de discriminar ou produzir as condições para o julgamento. 

Para o educador, no que diz respeito à cultura, a crise é estrutural, sendo sempre bem-vinda, pois “a cultura vive da crise”. No campo da economia, porém, a crise ganha outros contornos e aparece como sinônimo de depressão. Na passagem do fordismo ao pós-fordismo, explicou Sodré, há uma nova experiência de exploração do homem, não sendo apenas um corpo, mas uma alma a trabalhar. A força de trabalho - que é o próprio homem - passou da siderurgia para a semiologia. “Isso implica em um novo tipo de homem”, refletiu. 

Sodré afirmou que a cultura responde como principal forma de trabalho na atualidade. “Eu acho encorajador para a economia brasileira que a nossa cultura tenha um potencial de exportação. Mas a cultura é apenas isso? Força de trabalho? Onde está a cultura além da mercadoria?”, questionou. 

Ele reflete que a cultura ganhou autonomia no setor de serviços, desse modo, não reconheceria os retornos periódicos dos ritos e das festas como um espaço coletivo de colheita do comum. “Quando a cultura é movida exclusivamente pela economia, ela se converte numa festa permanente, uma festocracia empresarialmente organizada como espetáculo”, declarou. Em sua opinião, enquanto, na pobreza, a festa celebra a potência comunitária, no rito da economia, ela serve para camuflar a miséria.

“A lógica da diversidade cultural não comporta a idéia de uma cidadania apenas festiva. A festa do povo é comunitário, ritualística, coletiva e não depende dos investimentos do capital”, disse. Sodré afirmou ainda que a idéia de povo é um princípio político, não sendo homogêneo e singular. “O singular povo brasileiro encobre o plural “povos”, que é formado também por quilombolas, indígenas e negros, por exemplo.  

Essa é a segunda vez que Muniz Sodré participa do Enecult – ele esteve presente na edição de 2007. Aos 75 anos, Sodré é graduado em Direito, mestre em Sociologia da Informação e Comunicação e doutor em Letras. O baiano de São Gonçalo dos Campos foi presidente da Fundação Biblioteca Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, entre 2005 e 2011. 

Ao final da programação do primeiro dia de Enecult, ele lançou o livro “Pensar o Nagô”, pela editora Vozes. A obra contesta a exclusividade greco-europeia na filosofia brasileira e defende um paradigma afro de pensamento.

Após a palestra de Muniz Sodré, o debate sobre cultura e crise continuou com professora da Universidade do Estado de Santa Catarina, Marlene de Fáveri, o poeta José Carlos Capinan, e a historiadora da UFBA Wlamyra Albuquerque e mediação da vice-coordenadora do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Cult), Renata Rocha.

A programação do XII Enecult abrange minicursos, simpósios, relatos de experiência, encontros de redes de cultura e a apresentação de trabalho em 14 eixos temáticos, com exposição e debate dos artigos selecionados pela comissão científica do evento, a serem posteriormente publicados no anais do evento. O evento encerra na sexta-feira, 15 de setembro. 

Mais informações: http://www.cult.ufba.br/enecult/

A versão completa da cobertura do XIII Enecult estará disponível no EdgarDigital desta semana