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Estudantes de engenharia civil desenvolvem projetos para áreas de risco em Salvador

Projetos são resultado de disciplina da Politécnica

“A gente tem uma cidade cheia de situações difíceis, ao invés de pegar um aluno e passar uma prova para ele apenas descarregar o conteúdo no papel, preferi levá-los para a prática”, contou o professor Luiz Edmundo Prado de Campos, professor da Politécnica da UFBA. No último semestre,  ele e mais 30 estudantes da disciplina Taludes e Contenções desenvolveram projetos para solucionar os problemas das áreas de risco na comunidade de Mamede,  no bairro Alto da Terezinha, subúrbio ferroviário de Salvador.

Em parceria com a Defesa Civil de Salvador (Codesal), o trabalho tem como objetivo aproximar os estudantes da realidade prática de um profissional da engenharia e retribuir para sociedade o conhecimento adquirido em sala de aula. Para o professor Luiz, esse trabalho “é uma maneira  de se repensar a forma de ensinar engenharia e de desenvolver uma metodologia mais participativa para os estudantes”.

Oferecida anualmente, a disciplina é optativa e cursada geralmente por estudantes do 8º ou 9º semestre, com um

alunos na comunidade

⁠⁠⁠Anne Nascimento, João Dantas, Silvio Arruda e Julianna Araújo, alunos da UFBA em visita à comunidade

nível de conhecimento mais avançado. Esse projeto de aproximação com a realidade e de interação com a comunidade vem acontecendo há cerca de 8 anos e tem funcionado da seguinte maneira: a CODESAL indica uma comunidade de baixa renda, com problemas de encosta, juntamente com um técnico e com o professor, os estudantes fazem visitas a área durante o semestre e desenvolvem um projeto para aquela determinada área de risco. Neste último semestre, sete áreas foram apontadas pela Codesal e distribuídas por sorteio entre as sete equipes.

Anne Nascimento, 30 anos, conta que cursar a disciplina foi “uma experiência muito recompensadora. O mais interessante, além do contato com a comunidade, foi a experiência de desenvolver um projeto real, onde aplicamos todos os conhecimentos da matéria. Isso trouxe segurança para a turma, pois algo que normalmente parece inalcançável para nós, foi desmistificado.”
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Imagem de satélite das áreas que serão estudadas pela equipe

A estudante contou também que  já conhecia um pouco da realidade das comunidades em estado de vulnerabilidade de Salvador, porém  nunca tinha “descido” pelas encostas. “Ver a quantidade de pessoas que moram em situação de risco, saber que aquela ali é apenas uma pequena parcela dos que moram nesta situação, trouxe com propriedade a ideia de que moramos numa cidade maquiada pelo turismo. Os profissionais de exatas são conhecidos pela frieza na resolução de problemas e pelo raciocínio lógico, mas essa experiência trouxe humanidade e calor no coração”, completou  a estudante

O professor Luiz, que  tem vasta  experiência na área de engenharia civil e é uma das maiores autoridades do país nessa área, contou que além da aproximação com a realidade local, outros pontos muito importantes para a formação de um estudante de engenharia também são trabalhados.
“Saber trabalhar em equipe, lidar com pessoas, e outras habilidades são extremamente necessárias para um profissional. Para isso, a turma é dividida em sete equipes e os componentes são escolhidos aleatoriamente pelo computador. Além disso, cada equipe tem que eleger um líder, que além de gerir o grupo, é responsável por dividir a nota final da equipe entre os componentes, de acordo com o desempenho e comprometimento de cada um. Os alunos dizem que é meio chato, meio corporativo, mas hoje é nota, amanhã é dinheiro. Isso incentiva a ética profissional”, contou o professor Luiz

“Além disso, a cooperação entre os integrantes da equipe também é incentivada através de um sorteio no dia da apresentação final, em que, logo após a apresentação, um membro de cada equipe é selecionado para responder algumas questões. Se um deles não souber responder, a nota do grupo inteiro começa a cair. Isso faz com que

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Os projetos da equipe foram apresentados à comunidade e à CODESAL

aqueles que sabem mais se comprometam a passar os conhecimentos para os outros integrantes da equipe também, é importante evitar que seja um trabalho individual e isolado. Com esse trabalho a gente tenta desenvolver diversos requisitos do mercado de trabalho, não só a parte técnica, mas a parte comportamental, emocional, pessoal”, completou.

Jadi Tosta Ventin, 24 anos, também estudante da disciplina contou que a experiência foi enriquecedora pois proporcionou a possibilidade de aliar teoria à prática. “A gente teve a oportunidade de ir na comunidade, ver como ela funciona, conhecer o todo para depois focar no espaço que a gente ia trabalhar. Além disso, a ideia de trabalhar como uma pequena empresa nos fez crescer muito”, contou Jadi.
“Em parceria com o laboratório de geotecnia a gente pôde coletar amostras, realizar ensaios, etc. Testamos todas as soluções de contenção possíveis, utilizamos vários programas e softwares para desenvolver o projeto. Meu grupo ficou com uma área que tinha uma casa em cima do morro e uma casa embaixo. Um dos maiores desafios do meu grupo foi achar uma solução que fosse viável tecnicamente, financeiramente e construtivamente. Cada equipe teve os seus desafios, e durante a disciplina tivemos apresentações intermediárias, com eles pudemos aprender com a experiência dos outros grupos, foi uma troca muito interessante”, completou a estudante.
Na segunda feira, 11 de setembro, houve a apresentação final dos trabalhos e as sete equipes apresentaram projetos de estabilização de encostas em regiões de risco de deslizamento. Tiveram um total de cinco avaliadores, entre eles o professor Luiz, dois líderes comunitários e dois funcionários da Codesal.
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Equipe da CODESAL organizando a simulação noturna

“Com essa proposta que o professor Luiz criou, tem-se um projeto de intervenção física, numa área onde é difícil desenvolver os projetos em razão de recursos escassos. A iniciativa é extremamente válida, os projetos serão apresentados e analisados, logo em seguida, será contratada uma empresa para executar as obras na comunidade. ”, comentou Gilberto Campos, 54 anos, engenheiro civil da Codesal.

Em visita à comunidade na quarta, 12, duas líderes comunitárias compartilharam o que acharam do trabalho realizado pelos estudantes. “Gostei muito dos projetos de contenção, espero que realmente saia do papel, que o projeto seja executado. Vivemos em uma situação de risco muito alta, esses projetos são urgentes e necessários para nossa comunidade”, contou Valdenia Cruz dos Santos, 48 anos.
“Achei muito bom os alunos terem vindo aqui na comunidade, eles mapearam todas as áreas de risco, falaram que iam melhorar os acessos, construir escadas. Se realizarem mesmo vai ser muito bom para a gente que mora aqui”, completou  Hildete Santana, 63 anos, também líder comunitária.

No mesmo dia da visita, funcionários da Codesal faziam um mutirão para divulgar um simulado de evacuação que

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Valdenia Cruz dos Santos, líder da comunidade

seria feito no dia seguinte. Na rua Mamede, a Codesal faz um acompanhamento por meio de sirenes. A partir de determinadas chuvas e situações que indiquem que a área está com risco de deslizamento, a sirene toca, indicando aos moradores que eles devem se dirigir a um ponto de encontro.

Ao fazer uma avaliação final do projeto, o professor Luiz Edmundo comenta que é uma iniciativa de mão dupla. “ Ao mesmo tempo que estamos colaborando com a comunidade, disseminando o que é discutido em sala de aula para solucionar problemas reais, os alunos também aprendem bastante. Muitos alunos desconhecem a realidade de Salvador’, refletiu.
“Sinto muito por não ser uma iniciativa muito disseminada, os alunos se queixam muito de não ter essa experiência prática em outras disciplinas. Isso poderia ser um projeto geral da universidade. Se juntássemos outras disciplinas e outras áreas, poderíamos fazer um trabalho bem mais completo e interdisciplinar”, finalizou o professor.