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Paralisação de caminhoneiros expõe erros da política de preços da Petrobras, afirmam economistas

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Ainda é difícil afirmar com certeza se as recentes as manifestações de caminhoneiros por todo o Brasil foram uma greve ou um locaute; quanto menos se foram ideologicamente de direita, ou se mereciam o apoio da esquerda. Mas já parece ser consenso que os protestos que praticamente pararam o país ao longo das últimas duas semanas conseguiram trazer ao primeiro plano do debate público uma pauta que não vinha tendo a devida atenção: a política de preços praticada pela Petrobras na gestão Pedro Parente, presidente da empresa durante o governo Temer, que pediu demissão na sexta-feira (01/06).

 

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Foi essa a tônica do debate "Crise, Petróleo e Perplexidade", promovido pela UFBA na quarta-feira (30/06), que reuniu no salão nobre da Reitoria os economistas e professores da Universidade José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobrás (2005-2012); André Ghirardi, ex-assessor da Presidência da Petrobras (2005-2015); e Luiz Filgueiras, especialista em economia política e economia brasileira contemporânea; além do diretor do Sindicato dos Petroleiros da Bahia, Radiovaldo Costa.

"Petróleo não é uma mercadoria simples, como maçã ou banana. É um produto complexo, que demanda grandes volumes de investimento e é estratégico - e, por isso, provoca crises, disputas violentas e guerras no mundo inteiro", afirmou Gabrielli, presidente da Petrobrás nas gestões Lula e Dilma Rousseff.

Crítico do atrelamento, adotado por Pedro Parente, do preço do petróleo e seus derivados, no Brasil, à oscilação do produto no mercado internacional, Gabrielli considerou "um desastre, do ponto de vista social" tanto a atual política de preços, quanto as medidas anunciadas pelo governo para reduzir em 46 centavos o valor pago pelo litro do diesel. Ao abrir mão de impostos como CIDE e PIS/Cofins, cujos recursos se dirigem a investimentos públicos e políticas sociais, o governo atuou como um "Robin Hood às avessas".

Embora tenha reconhecido que que reajustes nos preços do petróleo poderiam ter sido feitos ainda no governo Dilma, "ali em 2012, 2013", Gabrielli observou que essa necessidade não pode ser usada como justificava para a adoção de uma política de preços em que o combustível nas bombas "aumenta todo dia, regulada pelo preço [de interesse] dos acionistas", a despeito dos efeitos inflacionários sobre uma economia cuja circulação de mercadorias praticamente depende dos caminhões movidos a diesel.

Por trás do que entende ser um processo em curso de diminuição do tamanho e da força política no cenário internacional da estatal - que, conforme afirmou Gabrielli, tem optado por trabalhar abaixo de sua capacidade de produção, deixando espaço para a importação, a custo mais elevado, de derivados para suprir o mercado brasileiro - , o ex-presidente da Petrobras enxerga o interesse manifesto do capital internacional na apropriação das reservas brasileiras de petróleo. Isso porque, por um lado, "está previsto um declínio abrupto da produção de petróleo pelos Estados Unidos em meados da década de 2020", ele afirma; e, por outro, "o pré-sal brasileiro é o único aporte de petróleo 'novo' no mundo", sendo todo o resto "reservas já conhecidas".

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André Guirardi explicou a formação dos preços no setor petroleiro, observando que, para conter o endividamento da empresa - algo natural, uma vez que a produção de petróleo demanda um alto volume de investimentos, que obriga a empresa a buscar financiamento externo - o governo Temer nomeou uma diretoria "para fazer gestão financeira". Assim, para o economista, ao adotar critérios estritamente técnicos para determinar o preço do combustíveis, faltou ao governo fazer a "leitura política do impacto [que os aumentos sucessivos do petróleo teriam] sobre a população". O "desequilíbro do técnico e do político" leva, segundo Ghirardi, a "uma perplexidade muito maior, de natureza quase mitológica: se nós temos tanto petróleo, por que não somos ricos?"

Talvez não sejamos ricos, segundo o professor Luiz Filgueiras, porque, por trás da retração do investimento governamental em desenvolvimento, serviços e políticas públicas igualitárias, está uma burguesia nacional que talvez nem seja digna do nome, por ser "historicamente subserviente" ao aceitar ser "uma espécie de sócia menor do capital internacional", recusando-se a levar adiante um projeto próprio de nação.

Filgueiras discutiu os diversos matizes de "perplexidades" que eclodiram durante a paralisação dos caminhoneiros. "A direita ficou dividida entre a direita neoliberal, que logo ficou contra, porque a greve impacta no superávit primário; e a direita fascista, que quis pongar, e pongou no movimento", com pautas reacionárias, a exemplo dos pedidos de intervenção militar. "A esquerda também ficou dividida", observou Filgueiras, entre uma ala "temerosa de um golpe militar", e outra que aplaudiu a categoria por "denunciar a política de preços da Petrobrás". "Eu mesmo estava confuso e, depois de muito estudar o assunto, concluí que era correto apoiar" a greve dos caminhoneiros, disse Filgueiras, ainda que o movimento tenha sido, em sua interpretação, "uma greve e um locaute ao mesmo tempo".

 

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O petroleiro Radiovaldo Costa denunciou o que a categoria entende como "saque à Petrobrás", afirmando que "quem saqueia, tem pressa", e convocou à greve dos petroleiros, prevista para durar três dias - o que não afetaria a produção da empresa - , mas que terminou suspensa, após a Justiça determinar multa de R$ 2 milhões por entidade que participasse da manifestação.