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Saberes dos povos tradicionais da América Latina fornecem caminho alternativo para a preservação do meio ambiente

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O cenário de degradação ambiental em todo o continente latino-americano leva a crer que é nos modelos de subsistência dos povos tradicionais que está o maior exemplo de conciliação entre a utilização de recursos naturais, essenciais para a sobrevivência humana, e dinâmicas de preservação ambiental, que podem minimizar ou evitar grandes impactos ambientais. O assunto foi discutido na mesa “Os Direitos da Mãe Terra: Uma Análise dos Povos e Comunidades Tradicionais da América Latina”, no Congresso UFBA 2018, que reuniu na Faculdade de Direito pesquisadores das áreas de biologia, antropologia, direito e representantes de religiões de matriz africana.

A sacerdotisa Mãe Alda de Oyá apresentou a visão do candomblé sobre a terra. Através das lendas trazidas da África, a tradição explica a importância da preservação do solo, já que os ancestrais afirmavam que ele fornece ao ser humano o que precisa para sobreviver, mas exige que este também faça a sua parte. “O Ilê Aiye, é a nossa casa, é a terra. A última sentença que Olodumaré determinou é que precisamos ‘pagar prenda para o solo’, no sentido figurado, pois precisamos tratá-la e cuidar bem dela. Mas é prenda dos vivos e dos mortos também, porque é nela que o nosso corpo descansa quando não existe mais vida.”

Essa forma de entender a natureza é importante para a preservação ambiental, segundo a advogada e pesquisadora especializada em América Latina Natalie Lessa, porque desfaz a ideia da terra como objeto de propriedade particular, para colocá-la como sujeito de direito, que, portanto, deve ser respeitada. A pesquisadora explicou como o conceito de natureza enquanto sujeito de direito foi aplicado no novo constitucionalismo latino-americano, adotado pela Bolívia e Equador, países que possuem uma forte tradição dos povos ameríndios e apostaram em legislações ambientais que rompem com o modelo moderno eurocêntrico.

Contudo, Lessa ressalvou que, apesar dos avanços da legislação, que tiveram grande efetividade na proibição da utilização de agrotóxicos nesses territórios, ainda há, nesses países, a forte influência dos produtores ruralistas, interessados na expansão da monocultura e pecuária de larga escala. Dessa forma, tanto a biodiversidade como o pluralismo étnico seguem ameaçados, já que, por não ser sustentável, esse modo de cultivo exige extensões de terra cada vez maiores, o que leva à retirada dos povos tradicionais de seus territórios e impede a agricultura tradicional baseada no conhecimento ancestral.“O alimento é um contrato natural que todo ser humano e animais têm com a terra. Nós precisamos comer e beber água todos os dias. Se não sabe do que está se alimentando e deixa esse modelo imposto perpetuar, aplaudindo-o e dizendo que gera riqueza, temos aí algo a se pensar.”

Nesse sentido, a bióloga Júlia Borges entende que há uma urgente necessidade de “retirar a terra da lógica mercantil”. A pesquisadora afirma que os ruralistas representam um dos maiores obstáculos para os projetos que promovem a utilização da terra de forma sustentável e coletiva, já que esse grupo possui forte articulação e influência no Congresso Nacional. “No Brasil, a gente ainda tem uma estrutura latifundiária, a gente ainda tem no Congresso uma bancada ruralista que é institucionalizada e fortíssima. E são grupos de interesse que estão atuando e dialogando constantemente”, afirmou.

Nesse contexto, Borges entende que a discussão sobre a preservação do meio ambiente no Brasil seguirá comprometida, por envolver também a questão da reforma agrária. “O contexto de reforma agrária e de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas implica em retirar a terra de uma lógica da economia mercantil, em que ela tem o seu valor medido na bolsa de valores.” A bióloga explicou que esta perspectiva ambientalista é colocada pelo pesquisador espanhol Joan Martinez Alier como “ecologismo dos pobres”, na qual a natureza é pensada como uma questão de sobrevivência, já que as comunidades quilombolas, ribeirinhas e indígenas estariam mais propensas à preservação ambiental por conta da sua cultura e tradição, que prega a compreensão da finitude dos recursos, coletividade e a necessidade de não explorar mais do que precisa para sobreviver.